Publicado no suplemento "AGROVIDA" | NOVEMBRO 2017)
1 - A agricultura de precisão é o futuro se quisermos ter uma agricultura profissionalizada e rentável? Ou, ao contrário, estaremos a falar de uma moda/tendência que não fará caminho?
A agricultura de precisão representa o impacto que as tecnologias de informação e comunicação (TICs) estão a ter nos processos de tomada e operacionalização de decisões. As TICs ou melhor as TICEs (TIC + electrónica) estão cada vez mais presentes nas nossas vidas, não sendo o sector agrícola uma excepção (bem antes pelo contrário, é um sector em que as TICEs têm grande impacto e aplicabilidade). Portanto não só são o futuro como também são já o presente em muitas explorações agrícolas portuguesas. Dizer que a agricultura de precisão é uma moda, seria o mesmo que dizer que a internet é uma moda ou a electricidade é uma moda. Pelo contrário, a agricultura de precisão está a revolucionar profundamente a forma como o negócio agrícola se desenrola por via da transformação digital i.e. não apenas a passagem dos processos do analógico para o digital (digitalização) como também o tirar partido disso para recriar a forma como os processos decorrem - a re-engenharia dos processos (transformação digital).
2 - Os drones são já utilizados para múltiplas funções no setor agrícola. São, de facto, uma ferramenta do futuro? E as imagens de satélite? São um mecanismo viável (financeiramente e tecnicamente) para a generalidade dos produtores?
A detecção remota, quer por via dos drones quer por via dos satélites, é uma grande aliada da agricultura de precisão pelo facto de permitir observar o estado de uma cultura com elevada resolução espacial (dos 10m a 1cm de pixel) e temporal (quinzenalmente a diariamente). Com esta ferramenta é possível verificar o nível de conforto vegetativo da cultura, fazer estimativas de produtividade, detectar precocemente limitações ao crescimento, planear colheitas, entre outras utilizações muito práticas e com forte retorno do investimento. Nos últimos 5 anos temos vindo a verificar melhorias sucessivas das suas capacidades e facilidade de uso assim como a redução do custo, quer de aquisição quer de manutenção (no caso dos drones). Quanto às imagens de satélite, existem já satélites (nomeadamente o Sentinel) com resoluções de 10m em que o acesso é totalmente gratuito e intuitivo. Também nos drones, a automação de todo o processo de obtenção e processamento das imagens torná-los-á uma ferramenta para a generalidade dos produtores (directa ou indirectamente). Existem já produtores em Portugal que não os dispensam em vários momentos do ciclo das suas culturas.
3 - Mas para utilizar os drones ou imagens de satélite é preciso ter preparação técnica, quer para o seu manuseamento, quer para a leitura/interpretação das informações que eles recolhem/proporcionam. Estamos no bom caminho na formação dos agricultores para lidarem com esta e outras novas tecnologias ou ainda há um desfasamento e um longo caminho a percorrer?
Se por um lado a automação terá um papel crescente na facilidade da sua utilização (manuseamento) por outro a interpretação exige, e penso que continuará a exigir por alguns anos, uma forte preparação técnica do produtor ou da empresa que lhe prestar consultoria. Essa, entre outras, é de facto ainda uma limitação relevante à adoção mais generalizada nos dias de hoje. O ensino agrícola tem que incorporar nos seus curricula a re-engenharia de processos que levem em conta com as novas fontes de dados e as novas tecnologias. Só isto garantirá que os técnicos que saem para o mercado possam levar à prática a "transformação digital". Infelizmente ainda estamos longe de uma situação confortável a esse nível.
4 - O PDR 2020 é um instrumento importante para ajudar a financiar a aquisição destas tecnologias?
Diria que mais do que tecnologias (que são o suporte e permitem a operacionalidade), estaremos a falar na adoção de novas formas de trabalhar, novos processos. Sim, os instrumentos de apoio aos produtores podem ter um papel importante no processo de adoção no sentido em que não só facilitam algum apetrechamento tecnológico mas também suavizam a fase inicial do processo de adoção mais focada no registo, compilação e processamento de dados. No roteiro de adoção da agricultura de precisão, embora se verifiquem nalguns casos retornos quase imediatos dos investimentos, há um período inicial de recolha intensa de dados sem os quais é impossível trabalhar e chegar à fase de aplicação no terreno (e obtenção de retorno do investimento). Este período, mais ou mesmo longo, pode beneficiar de um instrumento de apoio.
Ricardo Braga ISA-UL ricardobraga@isa.ulisboa.pt