“Alqueva é toda a minha vida, era o projeto que nunca ia acontecer mas que nós sabíamos que ia mudar as nossas vidas.” E mudou. Ou pelo menos é como o comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação, Carlos Moedas, recordou o longo processo de implementação e construção da barragem que está a provocar uma verdadeira revolução no Alentejo, a acreditar nos sentimentos ecoados ao longo de uma conferência onde o processo de modernização da agricultura esteve em discussão em pleno centro da região.
Foi Beja que recebeu o novo Encontro Fora da Caixa, com a XVI edição do projeto da Caixa Geral de Depósitos (a que o Expresso se associa) a ser dedicada ao tema “O sucesso de Alqueva na inovação e desenvolvimento regional”, com espaço para um “encontro com mais de 400 empresários” e mesmo para ”fechar alguns negócios”, confessou o presidente-executivo da CGD, Paulo Macedo. E para que nenhum dos convidados se furtasse a palavras fortes: “Todo o futuro deste sector no Alentejo está neste momento a começar. Será enorme, acho que muitos de nós não conseguem sequer imaginar”, garantiu, por exemplo, o gerente da Olinorte em Portugal, Luís Rosado.
Novas mentalidades
Até à sua inauguração, em 2004, a barragem passou por inúmeros avanços, recuos e dúvidas que não se imaginava que tanta espera viesse a dar resultados. Mas os mais de €12 mil milhões em valor bruto de produção que poderão ser atingidos até 2025, de acordo com dados da Empresa de Desenvolvimento e Infraestruturas do Alqueva (EDIA), superam todas as expectativas, com a certeza de que vamos “continuar a assistir a muitos recordes”, seja “no olival, na fruta ou no amendoal”, acredita o CEO da EDIA, José Pedro Salema.
O administrador-executivo da CGD, José João Guilherme, lembrou que, numa altura em que “o país estava em crise”, o projeto de Alqueva foi importante, “como forma de atração ao investimento”, sobretudo do país vizinho. Só que, ao contrário do que aconteceu noutras fases, as linhas de financiamento privilegiam agora projetos de valor acrescentado, até porque “as mentalidades são muito diferentes.” É uma nova geração que quer deixar a sua marca e levou Carlos Moedas a confessar “uma emoção muito especial” perante o trabalho que tem vindo a testemunhar nas suas visitas à região que o viu nascer.
É o caso de Carolina Silvestre Ferreira, administradora-executiva do Grupo Vale da Rosa e a representar a terceira geração da família. Como uma das responsáveis por um “dos principais empregadores do Baixo Alentejo”, defendeu que um dos segredos para o sucesso da empresa é estar constantemente à procura “das melhores uvas” e dos melhores métodos para as criar, num processo onde a inovação e a tecnologia têm um peso muito importante. “Não pode ser só a combinação do solo, da terra e da água, é também das pessoas e das tecnologias”, realçou Luís Folque. O administrador-executivo da Sovena — segundo maior grupo do sector do azeite a nível mundial — revelou que a zona de regadio de Alqueva “representa 50% da área de azeite produzido” pela empresa, pelo que é “uma pedra basilar” para a sua estratégia e um dos responsáveis pelo “boom tecnológico que se tem vivido”.
Atualmente a regar 120 mil hectares, a barragem de Alqueva já tem “50 mil hectares com projetos assegurados para expansão”, contou José Pedro Salema. Crescimento que o Governo espera ver concluído até 2022 e que vai permitir um aumento de área de 40%. O CEO quer “dar condições aos verdadeiros heróis de Alqueva, os empreendedores” e olha para o plano em curso como prova de que este projeto tem todas as condições para “poder ser replicado noutras zonas do país.” Com renovação cíclica porque o “que se fez nos primeiros regadios vai-se reconverter ” com os novos processos, na opinião de Luís Rosado.
Inteligência artificial
Carlos Moedas não tem dúvidas que “a profissão está a mudar e o agricultor do futuro vai ter que saber de tecnologia”. A separação já se está a diluir para que a inovação ajude a combater os dois grandes desafios que o comissário europeu identifica como aqueles que mais podem afetar no futuro: o “crescimento populacional e o combate às alterações climáticas”.
No programa Ciência e Inovação para 2021 estão reservados €10 mil milhões para desenvolvimento tecnológico na agricultura e o antigo secretário de Estado fez questão de manifestar a sua crença na capacidade de o Alentejo se converter num “segundo Food Valley”, a região holandesa de produção agrícola intensiva que faz do país o segundo maior exportador mundial do sector. Algumas apostas cirúrgicas em tecnologia de ponta podem ser decisivas, a começar pelo big data, “uma das chaves do futuro para Alqueva”, com a utilização de dados para tornar a produção mais eficaz. Por outro lado, surge uma pergunta: como rastreamos rapidamente os produtos que comemos? “Com recurso à tecnologia blockchain para estabelecer uma relação de confiança.” É outra das ferramentas que pode ser aplicada na região, a que Carlos Moedas junta a inteligência artificial, mas essa, “vai-nos levar a caminhos que ainda nem conhecemos.”
ALENTEJO NO CENTRO DO DESENVOLVIMENTO
A região que durante tantas gerações esperou por Alqueva para cumprir o seu potencial agrícola já sente os efeitos da mudança. Mas “mais do que uma barragem ou um sistema de irrigação, é preciso saber gerir estes instrumentos.” Palavras de José Félix Ribeiro que já é um habitué destas sessões dos Encontros Fora da Caixa e que, em Beja, dedicou a sua intervenção ao “Alentejo, Terra de Modernidade.” Para o economista, é inegável que a estrutura hídrica está a provocar “uma gigante transformação”, que ganha ainda mais destaque quando o “projeto antigo” foi concluído numa “altura de grandes alterações climáticas.” Mesmo assim, a velha máxima das diferenças entre qualidade e quantidade deve ser observada na região, onde é preciso entender que “sem inovação para diferenciar não é possível competir.” O professor pediu por isso uma maior sinergia entre as instituições de ensino e as empresas “para alavancar o conhecimento”, e alertou: “O Alentejo foi grande quando esteve no centro das decisões que tornaram Portugal grande.”
DISCURSO DIRETO
“O que este projeto fez para mudar as mentalidades do Baixo Alentejo é extraordinário. Esta nova geração é tão diferente da minha, para melhor”
Carlos Moedas
Comissário europeu para a Investigação, Ciência e Inovação
“A barragem de Alqueva avançou muito rápido. Está a acontecer muito depressa, mas não nos assustamos com isso. Antecipámos dez anos o calendário inicial”
José Pedro Salema
CEO da EDIA
“Fazemos tudo para estar à altura. Urge agora cuidar da parte da infraestrutura para dar o salto e tornar o interior mais atrativo”
Carolina Silvestre Ferreira
Administradora-executiva do Grupo Vale da Rosa
“Foi este projeto que gerou esta transformação. Vale a pena materializar o crescimento da agricultura com a componente tecnológica”
Paulo Macedo
Presidente da comissão-executiva da Caixa Geral de Depósitos
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